Estou desenhando um recomeço…

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Quando comecei a escrever o Caipirismo, em 2015, a ideia era simples: concentrar em um só lugar assuntos que girassem em torno de temas como turismo rural, ecogastronomia, agricultura familiar e nova ruralidade. Eu queria dividir um pouco da minha experiência em projetos ligados a este universo e também conhecer gente nova, iniciativas bacanas e por aí vai.

De fato, de lá pra cá, creio que o blog cumpriu a sua missão. Eu escrevi um bocado de coisas bacanas, participei de eventos, conheci chefs, empreendedores e projetos sociais inspiradores, aprendi muito com todo esse processo e dividi tudo por aqui.

Sempre me perguntei se fazer dinheiro e/ou ir além com o Caipirismo seria um caminho. Pensei em várias possibilidades, mas nunca segui adiante. Livros, e-commerce, projetos culturais incentivados, podcast… tudo isso junto! O céu é o limite. O blog sempre foi um projeto paralelo e nunca tive fôlego para dar um salto maior, mas OK. Ele cumpriu muito bem o seu papel nestes cinco anos de causos e histórias.

Não sendo exatamente uma prioridade na minha agenda, o Caipirismo passou a sofrer as consequências ao cada vez mais perder posições na minha lista de atividades: filhos, trabalho, MBA, saúde… e confesso que 2019 foi um ano muito difícil no sentido de manter o ritmo de postagens e relacionamento online, via Facebook e Instagram.

Isso me fez refletir sobre aonde quero chegar com o Caipirismo daqui para frente. Ou melhor, como eu me adapto e repenso a sua proposta para seguir adiante. Vamos fazer um recorte? Falar só de comida? Ou só de agricultura? Somente artigos? Uma publicação robusta por mês? Tenho pensado sobre isso e, em breve (ou nem tanto), espero voltar com mais novidades… desculpem o transtorno, estamos em obra. Até logo!

Deve ter sido alguma coisa que eu comi [livro]

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Crédito da imagem: Eater

O título já é divertido por si, imagine o conteúdo! Pois é com muito bom humor e muito estilo que Jeffrey Steingarten, celebrado crítico gastronômico da Vogue norte-ameriana, nos conta sobre suas aventuras e desaventuras em Deve ter sido alguma coisa que eu comi.

Lançado em 2004, o livro reúne uma série de ensaios do autor sobre a sua estimulante e peculiar pesquisa gastronômica pelos quatro cantos do planeta. Odiado por uns, amados por outros… não podemos negar que o jeitão meio cínico e blasé de Steingarten tem seu valor e diverte muito! Pelos menos me divertiu demais durante a leitura.

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Na obra, ele relata desde viagens exóticas, como a caça do marlin azul, no início do livro, quanto os testes culinários realizados na cozinha da sua casa, tratados de forma quase obsessiva e perfeccionista. E este rigor está presente em cada um dos relatos, deixando claro que, por trás do humor, há embasamento.

Vale destacar que Steingarten é um personagem um tanto quanto complexo. Foi advogado, formado em  Harvard, mas abriu mão da carreira para se dedicar à gastronomia. Levou sua paixão a sério atuando como pesquisador, repórter e cronista, tornando-se mundialmente conhecido pelos relatos publicados na Vogue. Nos distantes anos 90, em uma era pré-googleana, seus textos eram tão influentes ao ponto de ditar tendências e modismos….

E não é que ele come de tudo! Quando gosta ou cisma, experimenta todas as variações possíveis, cozinha e testa até se dar por satisfeito. Depois, transforma tudo isso em textos leves e saborosos de se ler, nos dando a sensação de estarmos consumindo uma informação frugal e trivial… mas com uma complexidade e rigor que me deixou impressionado.

Manual Básico das Festas Juninas 2.0

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Há alguns anos, lancei por aqui um Manual Básico das Festas Juninas. Sou apaixonado por essa época do ano e, conforme o tempo vai esfriando no outono, eu já começo a contar os dias para a chegada das festas juninas! Para entrarmos neste clima festivo e colorido, revisitei o antigo post e fiz uma revisão, incluindo mais alguns verbetes que explicam os porquês de alguns elementos tão tradicionais nos arraiás do Brasil.

Vista a sua roupa caipira, ponha o chapéu de palha, tome um quentão para espantar o frio e confira esta lista arretada, com pratos típicos, festejos, tradições religiosas e símbolos que fazem desta festa uma das mais genuínas manifestações populares do Brasil. Confira!

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– Arraial (ou “arraiá”): é o lugar onde a festa se realiza e conta com barracas que oferecem doces e salgados, além de espaço para muitas brincadeiras e, claro, a quadrilha. Os arraiás costumam acontecer nas ruas, escolas, praças, igrejas e mesmo em festas particulares.

– Balão: tema controverso! A prática de soltar balões vem da China e nas tradições portuguesa e brasileira simboliza o envio de mensagens e pedidos aos santos. Tal costume, porém,  pode ser usado apenas como item de decoração já que soltar balões é proibido por lei desde 1965, em razão dos incêndios causados pela brincadeira.

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– Brincadeiras e gincanas: as brincadeiras são elementos essenciais em qualquer arraiá! Toda festa que se preze reúne barraquinhas de pescaria, jogos de argola, tiro ao alvo e disputas, como o cabo de guerra, o pau de sebo e a corrida de saco, entre outros momentos lúdicos, todos eles com elementos que fazem referência ao cotidiano rural.

– Bumba-meu-Boi: também chamado de Boizinho, Boi-Bumbá, Boi-de-reis… O Bumba-meu-Boi é um auto em que se encena a história de um boi que é roubado, morto e depois ressuscitado. A representação é tradicional no Nordeste e, provavelmente, surgiu no finzinho do século XVIII.

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– Canjica: na região Sul e Sudeste a canjica é feita com milho branco, leite, coco e especiarias – o que no Nordeste é chamado de mungunzá. O curau do Sul e do Sudeste, mais cremoso e com milho amarelo, é a canjica do Nordeste.

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– Caruaru e Campina Grande: uma fica em Pernambuco. A outra, na Paraíba. As duas disputam o título de melhor festa de São João do país. E na sua opinião, qual é a melhor?

– Correio do Amor: uma maneira simples para animar a festa e promover o clima de romance… são recados anônimos (ou não), geralmente declarações de amor, escritos em papeis em formato de coração e lidos em público.

– Fogueira: Diz a tradição católica que ela foi usada por Santa Isabel para avisar a prima, Nossa Senhora, sobre o nascimento de seu filho, João Batista. E já que São João é um dos homenageados das festas juninas, a fogueira virou símbolo da ocasião.

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– Estalinho: também conhecido como biribinha. Faz a diversão da garotada, que a joga no chão e dá susto nos outros. Há ainda as bombinhas, cabeça-de-nego e morteiros, mais potentes e perigosos também! Crianças, fiquem longe!

– História: acredita-se que as festas juninas começaram a ser comemoradas na Europa. Elas seriam uma celebração dos solstícios de verão. Depois, teriam ganhado caráter religioso, daí o nome joanina (de São João), que aqui virou junina. A celebração, introduzida no Brasil pelos portugueses, recebeu influências francesas. Como ocorre na época da colheita de milho, muitos de seus quitutes típicos são à base desse alimento.

– Milho: e falando em milho… é a grande estrela culinária das festas juninas e ingrediente principal de várias delícias como curau, canjica, bolo de fubá, bolo cremoso de milho, pamonha, polenta, angu… mmmm!

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– Noivos: um dos momentos mais esperados da festa junina é o casamento caipira. Tem padre, tem confusão com o pai da noiva, tem arremesso de buquê… e é uma bagunça com diversão garantida!

– Pé-de-moleque e Paçoca: saborosos doces típicos à base de amendoim. No Nordeste, porém, a paçoca é uma farinha de mandioca com carne seca e temperos. Já no Sul e Sudeste, o pinhão é um ingrediente mais popular nesta receita salgada.

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– Quadrilha: a dança surgiu na Europa e foi adotada pelos franceses. Daí o fato de utilizarmos expressões como “alavantu” (uma pronúncia equivocada para “en avant tous” – que significa “todos para frente”) e “anarriê” (“en arrière” – “para trás”).

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– Quentão: bebida típica das festas juninas. É preparada com aguardente, gengibre, açúcar e especiarias. A receita pode variar de região para região, mas o objetivo é um só: esquentar as noites frias desse período do ano!

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– Santos: as comemorações da época homenageiam três santos. Santo Antonio é o “casamenteiro”, lembrado no dia 13 de junho. Já o dia de São João, o “fogueteiro”, é o 24 de junho. E o de São Pedro, padroeiro dos pescadores, é o 29 de junho.

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– Vestuário: o vestuário caipira é quase sinônimo da festa. Camisa xadrez, chapéu de palha, vestidos de chita e muito retalho marcam o figurino dos bailes. A origem das roupas, porém, vêm dos tradicionais bailes da aristocracia europeia. Já no meio rural, as melhores roupas que o caipira tinha no armário eram utilizadas para as festas.

+ Imagens:
Decracha
Lidia Fraga
ONU
Net Sabe
Eu e a Bete
Colégio Graccho
Bolsa de Mulher
Torrada Torrada

Letters to a Young Farmer

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Como o próprio título sugere, Letters to a Young Farmer é uma obra direcionada a jovens rurais que serão a futura geração que irá empreender no campo. Porém, não se surpreenda se você, que não é agricultor (assim como eu), também se encantar pelas cartas reunidas nesta belíssima obra, lançada pela ONG norte-americana Stone Barns Center for Food and Agriculture.

O livro reúne um timaço de agricultores, escritores, especialistas e líderes que, por meio de cartas, compartilham um pouco das suas experiências e vivências sobre a temática da agricultura familiar. Ao todo, são 36 cartas e ensaios inspiradores, assinados por nomes como Alice Waters, Joel Salatin, Marion Nestle, Michael Pollan e Raj Patel, entre outros.

“Sem você, não podemos fazer as mudanças que muitos de nós acreditamos serem críticas para reformar nosso sistema alimentar, e certamente não podemos reverter o dano devastador que já foi causado devido à nossa mudança climática. Precisamos de você; realmente precisamos de você “, destaca Chellie Pingree, agricultora orgânica e ativista em prol da sustentabilidade do campo.

A apelo do livro é claro e necessário. Os EUA estão prestes a testemunhar a maior aposentadoria de agricultores da história. Atualmente, há mais produtores com mais de 75 anos do que entre as idades de 35 e 44 anos. E não basta incentivar a permanência, é preciso também  discutir a qualidade de vida no campo e o tipo de agricultura que o país quer para o futuro.

Indo na contramão do modelo tradicional do agronegócio, o discurso nas cartas é unânime: é urgente investir em uma agricultura adaptável e regenerativa; que respeite a sazonalidade; que cuide bem do solo; que seja resiliente frente aos desafios do clima; e, principalmente, que promova o cultivo de alimentos de qualidade, tanto para quem produz quanto para quem come.

“… agricultura ecológica é uma parte importante de um direcionamento para a mudança ecológica global. Não será fácil, mas se não alcançarmos a sustentabilidade na agricultura em primeiro lugar, essa grande mudança nunca acontecerá”, destaca Wes Jackson, presidente do Land Institute.

E não pense você que a realidade no Brasil é diferente. Muito pelo contrário! Segundo dados preliminares do Censo Agropecuário 2017, a população rural brasileira está envelhecendo e os mais jovens continuam a migrar para centros urbanos. Rapazes e moças com idade entre 25 e 35 anos são 9,48% do contingente, bem abaixo dos 13,56% do censo anterior, de 2006.

Ainda não temos uma tradução em português (alô, editoras!) para Letters to a Young Farmers…. que por aqui seria também uma poderosa ferramenta de engajamento e incentivo a jovens rurais repensarem seus papeis como agentes estratégicos no campo. Sem renovação na agricultura familiar, quem será a próxima geração de agricultores responsáveis por alimentar um planeta que, de acordo com a ONU, terá 9,6 bilhões de habitantes em 2050?

Top 10 Chef’s Table

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Celebrada muito além do gueto gastronômico, Chef’s Table é uma das mais elogiadas produções da Netflix. Criada por David Gelb, a série conta a cada episódio as diferentes trajetórias de renomados chefs mundo afora. A primeira temporada foi lançada em 2015 e a sexta, e mais recente, em abril de 2019. Com uma edição e fotografia maravilhosos, Gelb se vale de uma linguagem poética e inspiradora para apresentar narrativas que destacam as histórias, as dificuldades e as glórias de cozinheiros reconhecidos mundialmente pelo trabalho que fazem em seus estabelecimentos. Sou apaixonado pela série e é com prazer que divido com vocês o meu Top 10 Chef’s Table, com os profissionais que mais me encantaram ao longo das temporadas. E vocês, quais histórias mais marcaram e chamaram a atenção?

1. Francis Mallmann (T1)

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Este é, para mim, um dos mais apaixonantes capítulos de toda a série. As paisagens da Patagônia juntamente com a cozinha rústica e sensual de Francis Mallmann tiram qualquer um do sério. Achei incrível a sua trajetória profissional, de quem começou emulando a culinária francesa e hoje é uma das referências máximas quando se pensa em gastronomia na América do Sul. Demais!
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2. Massimo Bottura (T1)

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Massimo Bottura é pura inspiração. Trabalho duro, criatividade, conexão com o local… Seu desafio não foi simples. Reinventar a culinária italiana não é tarefa nada fácil, ainda mais num país onde os melhores pratos são feitos em casa, são comida de avó! E mais, são receitas tradicionalmente intocáveis. Mas Massimo, por meio da sua Osteria Francescana, respirou fundo e foi além, quebrando paradigmas e abrindo novos caminhos para a já tão celebrada gastronomia da Itália.
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3. Ana Roš (T2)
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É incrível como o impacto do trabalho da Ana Roš é gigante. Ela não só colocou a Eslovênia no mapa gastronômico mundial como também revelou um país lindo, com ingredientes únicos e uma cozinha inventiva e saborosa. Ana, juntamente com seu marido, o sommelier Valter Kramar, tocam o restaurante Hiša Franko, e recebem peregrinos de todos os cantos do mundo, em busca da famosa comida do vale do Soča.
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4. Jeong Kwan (T3)

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Jeong Kwan não é chef, não tem um restaurante, não é uma celebridade. Ela é só uma monja budista sul-coreana que cozinha maravilhosamente bem. Autodidata, Jeong faz comida para as demais monjas do templo de Baegyangsa, onde vive, e em ocasiões especiais, a partir de ingredientes cultivados por ela mesmo, na horta do templo.  Seus pratos vegetarianos são bonitos, delicados e absolutamente surpreendentes. Seu estilo influenciou nomes como Mingoo Kang, René Redzepi e Éric Rpert, de quem é amiga pessoal.
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5. Christina Tosi (T4)

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A doçaria de Christina Tosi é uma tradução dos EUA: criativa, exagerada e intensa! A chef busca inspiração, sem medo de ser feliz, em junkie food e também nos interiores das cozinhas domésticas norte-americanas, para criar receitas ao mesmo tempo inusitadas e carregadas de afeto e nostalgia. O resultado dessa mistura de cores, texturas e aromas é uma verdadeira seleção de gostosuras, como cookies, bolos e sorvetes, cheios de personalidade e sabor!
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6. Corrado Assenza (T4)

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Ao assumir o tradicional Caffè Sicilia, de sua família, Corrado Assenza não só manteve a qualidade das receitas, mas também começou a trabalhar com o resgate de ingredientes locais para manter e valorizar os já consagrados doces do café, como cassatas, cannoli e granitas. Na paralela, Corrado buscou inspiração em novas sobremesas, com combinações completamente inusitadas, como as ostras frescas com granita de amêndoas (?!), potencializando ainda mais a fama do estabelecimento e firmando-se como um dos principais chefs confeiteiros da Europa.
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7. Cristina Martinez (T5)

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Cristina Martinez é uma imigrante ilegal, vinda do México, que faz a tradicional – e dificílima – barbacoa em plena Filadélfia. Seus restaurantes, El Compadre e South Philly Barbacoa, são referência em comida mexicana e sua árdua história de vida, de quem deixou a família, estabeleceu-se e venceu nos EUA, mas não conseguiu o Green Card, proporciona uma profunda reflexão sobre imigração, preconceito e direitos humanos.
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8. Mashama Bailey (T6)

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No meio de sua carreira em ascensão, em Nova Iorque, Mashama Bailey viu-se desafiada a tocar um novo restaurante, o The Grey, na pequena Savannah, cidade natal de sua família. Detalhe: o estabelecimento funcionaria em uma antiga rodoviária dos tempos de segregação racial. Mashama abraçou essa oportunidade e encarou a missão de ser uma chef negra no estado da Georgia, transformando receitas estigmatizadas em pratos supreendentes, que não só homenageam o passado, mas também apontam novos rumos para a culinária sulista norte-americana.
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9. Dario Cecchini (T6)

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Esta história é apaixonante! Um jovem italiano que queria ser veterinário, mas teve que assumir os negócios da família, tornando-se dono de um… açougue! Este é Dario Cecchini, um dos açougueiros mais famosos do mundo, a frente da Antica Macelleria Cecchini, em Panzano em Chianti, na Toscana. Sua devoção e respeito pela carne são únicos, assim como o seu jeito alegre e enérgico, que deixa qualquer cliente apaixonado. Seus pratos são simples receitas de família, sem ego ou malabarismos culinários. O destaque são as carnes por si, fruto da qualidade do manejo dos animais que são abatidos para servir o açougue e seus restaurantes.
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10. Asma Khan (T6)

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Que história, minha gente! Que mulher! O relato de vida desta incrível chef indiana, radicada em Londres, é uma lição de coragem e perseverança. Por meio da comida, Asma Khan superou preconceitos da complexa sociedade indiana, enfrentou os desafios de ser estrangeira num país distante, mobilizou uma rede de mulheres que enfrentavam os mesmos obstáculos e tornou-se uma aclamada chef e empreendedora.
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You And I Eat The Same

Primeiro volume de uma série de livros idealizados pelo MAD examina o poder conectivo e opressivo da comida.

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You and I Eat the Same é o primeiro livro de uma série idealizada pelo MAD, uma organização sem fins lucrativos, capitaneada pelo chef René Redzepi, que tem como missão transformar o sistema alimentar global, dando a chefs, donos de restaurantes, empreendedores e demais atores as ferramentas necessárias para a promoção de mudanças concretas e sustentáveis em seus estabelecimentos, comunidades e cadeias de valor.

A proposta desta série é trazer a cada volume um tema relevante dentro do universo da alimentação. Neste número de estreia, organizado pelo editor Chris Ying, o assunto  escolhido foi a importância dos movimentos migratórios para a gastronomia. O livro defende a ideia de que a boa comida é o terreno comum entre diferentes culturas, especialmente em tempos em que o mundo parece mais dividido do que nunca.

Colorida e bastante heterogênea em sua abordagem, a publicação reúne 19 artigos para inspirar o leitor a ter uma nova visão sobre a temática da imigração e, principalmente da comida como elemento que conecta pessoas e rompe barreiras reais e imaginárias para nos integrar como seres humanos. Os meios de inclusão são múltiplos, por isso o livro se propõe a revelar alguns destes vínculos sutis – e os não tão sutis – criados pela maneira como comemos.

Em “Everybody wraps meat in flatbread”, abrindo o livro, Aralyn Beaumont mostra como o pão chato está presente em diferentes culturas, dos tacos mexicanos ao pão sírio, e como ele é utilizado mundo afora para comer carnes. René Redzepi, além de assinar o prefácio também reflete em “If does well here, it belongs here” sobre o que são alimentos locais e a apropriação de ingredientes exóticos, tendo como exemplo a experiência a frente do Noma, seu estrelado e inovador restaurante, em Copenhague.

Já em “Food as a gateway”, três imigrantes empreendedoras contam como as suas vidas mudaram ao participar da formação do La Cocina, em São Francisco, Califórnia.  A ONG tem como missão capacitar e orientar mulheres imigrantes de baixa renda a tornarem-se empreendedoras por meio da gastronomia. As três histórias são um bom exemplo de pessoas que tiveram suas vidas transformadas e hoje são referência na cena gastronômica da cidade.

Um dos mais inspiradores textos, que fecha o livro, é “Coffee saves lives”, assinado por Chris Ying e que conta a incrível história de Arthur Karuletwa, diretor global “Coffee Traceability and Orign Experience” da Starbucks. Arthur é sobrevivente da guerra civil em Ruanda, imigrou para os EUA,  especializou-se importação de cafés e voltou ao seu país para organizar a cadeia produtiva cafeeira, tornando-se uma espécie de embaixador da integração de um país antes dividido por grupos culturais rivais.  O café salva vidas…

Portanto, se você ainda tem dúvidas acerca do poder transformador da comida, sugiro a leitura urgente de You and I Eat the Same. São reflexões que nos lembram que o que comemos e como comemos não é apenas um reflexo da nossa identidade, mas um elo de conexão com outras pessoas e outras culturas em um mundo cada vez mais complexo, interdependente e interligado.

Sal, Gordura, Acidez e Calor

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Crédito da imagem: divulgação

Até assistir a este maravilhoso programa no Netflix, a única referência que eu tinha da Samin Nosrat era a participação dela em Cooked, também no Netflix, ensinando o Michael Pollan a fazer um cozido. Então, quando comecei o primeiro capítulo de Sal, Gordura, Acidez e Calor, eu senti um súbito desejo de ser o melhor amigo da Samin! Que carisma, que simpatia e que conhecimento sobre comida!

Não é para menos… logo de cara, no primeiro episódio da série, baseada no seu livro homônimo, ela nos leva para Itália, para falar de gordura em uma viagem por oliveiras, agroindústrias de laticínios, embutidos… e mostra o processo produtivo de delícias locais, como pães, massas, salames e queijos.

E viagem segue nos demais capítulos, cada um dedicado a um dos elementos que dão nome ao programa. Para falar do sal, ela vai até o Japão e revela as inúmeras formas que este maravilhoso mineral pode ter, além de todo o seu impacto no sabor dos alimentos, com destaque para o molho de soja e para o missô.

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Crédito da imagem: divulgação

Para ilustrar o poder transformador dos ácidos, Samin visita o México onde as laranjas, molhos e o mel maia dão novas dimensões para pratos tradicionais daquele país. Por fim, na volta para a casa, na Califórnia, ela mostra como o calor pode revelar novas cores e sabores ao assar carnes e vegetais e também prepara um arroz crocante com sua mãe.

Se você, como eu, caiu desavisado nesta série, não se surpreenda com o talento dessa moça! De ascendência iraniana, Samin nasceu na Califórnia e começou sua carreira no universo da comida ao trabalhar no famoso Chez Panisse, da chef Louise Waters. Passou por diversos outros restaurantes da Bay Area de São Franciso e morou também por um tempo na Itália. Na paralela, em 2017, passou a escrever em uma coluna sobre comida no New York Times e lançou seu primeiro e aclamado livro Sal, Gordura, Acidez e Calor – infelizmente, ainda indisponível em português.

Fique de olho nela e se ainda não assistiu a série, não perca mais tempo e faça um intensivo! É mole, são apenas quatro capítulos, mas que dão aquele desejo de quero mais intenso!

Retrospectiva Caipira 2018

Que ano, minhas senhoras e senhores! Parece que 2018 concentrou uns três anos dentro de um só… por aqui, apesar dos agitos da vida, tivemos bons momentos e bons conteúdos sendo produzidos. Os artigos e resenhas, que eu achava que a galera não lia, foram os mais visitados… um sinal para as mudanças que estamos preparando para 2019. Sim, teremos mudanças, mas deixemos o ano virar para, aos poucos ir soltando as novidades. Por ora, divido com vocês os 10 posts que foram destaque por aqui. Até o ano que vem, amigos! Good Vibrations! Tchau, tchau!

1. 10 lugares para comer muito bem em Nova Friburgo

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2. Pluriatividade na agricultura familiar

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3. Bacon é bacon, soja é soja!

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4. Ugly Delicious: comida, reflexão e humor

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5. Não desperdice alimentos!

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6. 3 Perguntas Para Teresa Corção

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7. 3 Perguntas Para Sei Shiroma

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8. Chef’s Table Pastry

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9. Compre local

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10. Ecogastronomia e os sabores verdadeiros

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Pão, Vinho e Chocolate

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Acho que foram uns dois anos namorando a capa até, de fato, comprá-lo há algumas semanas. Como não se encantar com um livro chamado Pão, Vinho, Chocolate: a lenta perda da comida de amamos?  Lançado em 2015 pela jornalista, escritora e educadora Simran Sethi (ainda sem tradução para o português), Bread, Wine, Chocolate: the slow loss of the food we love é uma instigante obra que nos direciona a reflexão sobre a origem, a qualidade e o gosto da comida que consumimos diariamente.

O alerta é claro: a padronização do gosto, a industrialização da comida e a transformação de ingredientes em commodities estão colocando alimentos que tanto amamos em risco de extinção. Simran começou sua pesquisa tendo como base itens que ela ama: pão, vinho e chocolate presentes no título, e também café e a cerveja. O mergulho na investigação é intenso! A autora visitou países, como Equador, Etiópia e Inglaterra, e conversou com diversos especialistas, desde fazendeiros até engenheiros, para conhecer melhor os processos produtivos e entender o que está puxando a perda de variedade genética e da agrobiodiversidade, impactando diretamente na qualidade e no sabor do que comemos.

Segundo dados levantados no livro, atualmente, 95% das calorias do mundo vêm de apenas trinta espécies animais e vegetais. Embora os supermercados pareçam estar cheios de opções infinitas, as diferenças entre os produtos são superficiais, principalmente no sabor e na marca. Trata-se de uma erosão genética, ou seja, vivemos uma lenta e constante perda de variedade do que cultivamos e comemos. Muitos dos alimentos que chegam até a nossa mesa são apenas uma emulação ou uma sombra do que já foram… é chocolate onde o principal ingrediente não é o cacau; é embutido suíno que contém soja em sua formulação; refrescos de frutas sem frutas e por aí vai.

Trigo, milho, arroz… não importa de onde vêm, a sensação é que tudo vem sempre de uma mesma variedade híbrida onde o importante não é o sabor, mas o tamanho, a cor e a resistência às doenças. Em nome da produtividade, demanda e exigências da indústria, produtores mundo afora estão deixando de criar e cultivar de forma diversificada para atender padrões de comercialização que trazem consequências não só para o nosso paladar e saúde, mas também para a sustentabilidade de diferentes ecossistemas e realidades do campo.

Os relatos, histórias e informações reunidos no livro são fascinantes e inspiram o leitor a comer de forma mais consciente, entender os alimentos familiares, experimentar coisas novas e aprender o que é preciso para salvaguardar os gostos que nos conectam com o mundo ao nosso redor.

3 Perguntas Para Leo Spinardi

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Leo Spinardi é amigo de longa data, tipo, há mais de 20 anos… Também é jornalista, curte desenho (e desenha pacas!), somos compadres e, no passado, experimentamos juntos o empreendedorismo no underground carioca tocando no Abaixo de Zero. Além disso tudo, hoje, dividimos uma temática que nos mantêm ainda mais ligados: a comida.

Há pouco mais de três anos, Leo começou a sentir novamente um comichão criativo-empreendedor-independente, mas desta vez trilhando um novo caminho, vendendo tapioca. “Ué, você virou ambulante?”, brinca ele ao imaginar a reação das pessoas quando decidiu criar a Tapinha e lançar-se em uma nova experiência. Pois bem, eis que de lá para cá, a ideia tomou forma e já se vão mais de 100 eventos para a conta. Saiba mais sobre essa história, confira o nosso bate-papo logo abaixo.

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1. Por que você escolheu a tapioca?
Eu não escolhi a tapioca. Eu diria que foi ela quem me escolheu. Como assim? Quando a moda começou a pegar mais firme aqui no Rio, tipo 2014/2015, eu passei a fazer em casa porque me lembrava de adorar quando comia nas minhas viagens ao Nordeste. E a galera aqui de casa começou a curtir. Os familiares, os amigos. E estava rolando aquele boom de feiras gastronômicas. Pensei, por que não levar isso pra fora de casa?. E desde que essa ideia passou pela minha telha, comecei a ter insônia. Precisava levantar da cama pra anotar ideias de nomes, sabores, formatos, projetos. Fui alimentando o monstrinho e pisei fundo em colocar a ideia em prática com o mínimo de investimento possível. E lá se vão 3 anos e mais de 100 eventos.

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2. Quais são as dificuldades de empreender com comida no Rio de Janeiro?
A Tapinha continua sendo um projeto de guerrilha para mim. Ainda estou caminhando para estruturá-la como um negócio, como uma empresa, oficial. Ainda é CPF! Então, as dificuldades que enfrentei foram proporcionais ao tamanho do projeto. Ou seja, pequenas. Tributação, gestão de pessoas, fornecedores… Tudo isso ainda não apresentou seu verdadeiro potencial de dificuldade pra mim. Para não deixar sua pergunta sem uma boa resposta, acredito que as dificuldades sejam proporcionais às oportunidades. Se por um lado é alta a competitividade de outros tantos bons produtos e serviços e a cobrança dos órgãos fiscalizadores, também é alta a gama de possibilidades e a demanda do público por uma boa oferta.

3. O que te inspira?
É algo bem egoísta. É sobre a minha evolução. É sobre morrer de medo de fazer algo um dia e, um tempo depois, com preparo, com teste, com erro, com risco, fazer a mesma coisa com um nível de execução de quem faz aquilo há milênios, tranquilo e seguro. Ou seja, é sobre avançar sobre as zonas de riscos, transformá-las em zonas de aprendizagem até se tornem finalmente zonas de conforto. E a Tapinha, pequenininha como ela ainda é, está sendo uma baita universidade nesse sentido.

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+ Imagens: divulgação